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A BRF foi condenada a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais. O g1 reuniu tudo o que já se sabe e o que ainda falta saber sobre o caso.

Supervisor da multinacional do setor alimentício BRF tinha histórico de assédio moral — Foto: Reprodução

Supervisor da multinacional do setor alimentício BRF tinha histórico de assédio moral — Foto: Reprodução

A multinacional do setor alimentício BRF, condenada a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais a uma trabalhadora que perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto na portaria de um frigorífico da empresa, não concorda com a decisão e tenta reverter o caso.

O caso ocorreu em abril de 2024 em Lucas do Rio Verde, a 360 km de Cuiabá, mas ganhou repercussão após a sentença ser publicada na última segunda-feira (23).

Veja abaixo o que se sabe sobre o caso:

  • O que aconteceu
  • Condenação da BRF
  • Rotina de trabalho
  • Saída da empresa
  • Empresa contesta
  • Histórico de assédio a gestantes
  • O que falta esclarecer

O caso

Uma trabalhadora venezuelana perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto na portaria de um frigorífico onde estava empregada, em Lucas do Rio Verde. A funcionária, que estava grávida de oito meses, começou a passar mal no início do expediente. Ela apresentou sintomas como dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar, e procurou ajuda da liderança imediata e do supervisor da unidade.

Segundo a Justiça, mesmo após insistir por socorro, ela teve a saída do setor negada para não atrapalhar o funcionamento da linha de produção. De acordo com testemunhas, a trabalhadora saiu da empresa por conta própria e se sentou em um banco próximo ao ponto de ônibus, na entrada da empresa, onde deu à luz às gêmeas, que morreram minutos depois.

Condenação da BRF

Na última segunda-feira (23), a multinacional foi condenada a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais à trabalhadora, além do pagamento de verbas rescisórias. Com isso, a trabalhadora passa a ter direito ao pagamento de aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego.

A decisão judicial reconheceu que a empresa negligenciou o estado de saúde da funcionária, que, mesmo com oito meses de gestação, continuou sendo mantida em sua rotina de trabalho.

Rotina de trabalho

Conforme consta no processo, a funcionária começava a jornada de trabalho às 3h30 e estendia até às 13h18, com uma hora de intervalo. Ela recebia um salário de $ 1.975,60. Ao g1, a BRF informou que a colaborada cumpria uma carga horária de 8 horas e 48 minutos, acrescentado uma hora de almoço e três pausas de 20 minutos.

“A BRF informa que possui uma política de apoio a gestantes, com um programa implementado desde 2017, que oferece suporte às mães em todas as fase da gestação […] A companhia destaca que instaurou um comitê multidisciplinar para apurar e revisitar o caso específico”, disse.

Saída da empresa

Ao g1, a defesa da funcionária informou que, logo após o término da licença-maternidade, foi protocolado um pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho. A prática é assegurada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) na qual o colaborador considera o seu contrato de emprego extinto porque o empregador cometeu uma falta grave.

Ainda segundo a defesa, desde a formalização do pedido, a funcionária não retornou mais ao frigorífico.

Empresa contesta

A BRF recorreu da decisão da Justiça e tenta também diminuir o valor da indenização a ser paga à funcionária. Na contestação apresentada à Justiça, a empresa declarou que o parto ocorreu fora das dependências da unidade, em área pública e alegou ainda que a funcionária teria recusado atendimento médico interno e que não havia registro de gravidez de risco.

Disse também que a suposta negligência partiu da própria trabalhadora, ao argumentar que um trabalho de parto geralmente leva entre oito e 12 horas.

Conforme documentos e depoimentos incluídos no processo, o frigorífico tinha conhecimento da gravidez e havia realocado a empregada para um setor considerado compatível com a condição gestacional da vítima.

Histórico de assédio a gestantes

supervisor citado na decisão já foi apontado por outras duas trabalhadoras gestantes por assédio moral no ambiente de trabalho.

Em uma ação movida na Justiça do Trabalho do Mato Grosso por uma outra funcionária, em 2019, a trabalhadora disse que, após comunicar a gravidez à empresa, por recomendação médica, solicitou a redução de atividades consideradas pesadas, especialmente nos primeiros meses de gestação, mas o pedido foi negado pelo supervisor.

No mesmo ano, outra colaboradora grávida entrou com um processo contra a empresa e contra o gestor, dizendo ter sido designada, após descobrir a gravidez, para tarefas mais pesadas, como pendurar frangos e realizar serviços de limpeza — funções que, segundo ela, não pertenciam ao seu setor de origem.

Ainda de acordo com a Justiça, uma das funcionárias entregou, è época, um laudo para alteração de função sofrer complicações na gestação, mas o supervisor teria alegado que “na verdade, ela não queria trabalhar”. Em seguida, foi aplicada uma suspensão de meio período a ela.

A mulher afirmou que foi humilhada pelo líder direto após reclamar dos problemas enfrentados na gravidez. Em uma das ocasiões, ele teria dito: “vou deixar você descansar então, vá para casa, você está suspensa”.

O que falta esclarecer

O processo ainda está em andamento, já que a empresa recorreu da decisão pedindo a redução do valor da indenização. Neste momento, as defesas de ambas as partes aguardam o julgamento do recurso para saber qual será o desfecho do caso.

Por Victória Oliveira, g1 MT